O Tribunal do Huambo adiou, novamente, agora para 7 de Março, a leitura da matéria dada como provada no julgamento dos nove seguidores e do líder (Julino Kalupeteka) da seita angolana “A luz do mundo”, acusados do homicídio de nove polícias.
Ainformação foi prestada hoje à Lusa pelo advogado de defesa David Mendes, adiantando que na base deste novo adiamento esteve a ausência, na segunda-feira, alegadamente por motivos de doença, de um dos três juízes que vão decidir sobre este processo, inviabilizando a leitura dos quesitos (matéria dada como provada e que ainda pode ser questionada), que antecede a leitura da sentença.
De acordo com o advogado, o tribunal ainda nomeou na segunda-feira um novo juiz, pretensão que foi recusada pela defesa.
“São três juízes, como é que o terceiro vai agora decidir se não esteve no julgamento, se não acompanhou até agora? É evidente que não podíamos aceitar essa situação e agora vamos esperar pelo que acontece até 7 de Março, enquanto estudamos a jurisprudência deste tipo de situação”, apontou o advogado e dirigente da associação Mãos Livres, de defesa dos direitos humanos.
Neste processo, o Ministério Público do Huambo exigiu a condenação dos dez homens, enquanto a defesa, assegurada por advogados daquela associação angolana, pediu a absolvição de todos por “insuficiência de provas”, explicou anteriormente David Mendes.
Durante o julgamento, que já terminou há quase um mês – este é já o segundo adiamento da leitura dos quesitos – o líder da seita e principal visado neste julgamento, José Julino Kalupeteka, também apelidado de “profeta” pelos seus seguidores e que advogava o fim do mundo em 2015, recusou a autoria dos confrontos ou de actos de violência, tendo a defesa pedido, na quinta-feira, a absolvição dos acusados, relata a imprensa local.
Kalupeteka, de 46 anos e detido preventivamente desde Abril de 2015, é o principal visado dos dez acusados e está indiciado pela co-autoria material de nove crimes de homicídio qualificado consumado, crimes de homicídio qualificado frustrado e ainda de desobediência, resistência e posse ilegal de arma de fogo.
Os restantes elementos são visados igualmente por crimes de homicídio qualificado consumado e frustrado.
A defesa insiste que, ao fim de praticamente três semanas de julgamento, não ficou provado que o líder da seita terá desobedecido, resistido às autoridades ou orientado os seus seguidores a criarem postos de vigilância para, posteriormente, agredirem os agentes da Polícia Nacional.
Já o Ministério Público concluiu, nas alegações finais, que os actos preparatórios alegadamente verificados antes do crime, a 16 de Abril – confrontos que levaram à morte, segundo a versão oficial, de nove polícias e 13 fiéis, no Huambo -, os elementos daquela igreja prepararam machados, facas, mocas para atacar os “inimigos da seita ou mundanos”.
A polícia e investigadores chamados a declarar garantiram em tribunal que, além do ataque atribuído aos seguidores, havia um plano de defesa armado organizado pelos fiéis no acampamento em causa.
Em causa estão os confrontos entre os fiéis e a polícia, cujos agentes tentavam dar cumprimento a um mandado de captura – na sequência de outro caso de violência na província vizinha do Bié e que também está a ser julgado – de Kalupeteka e outros dirigentes e alguns dos seguidores que estavam concentrados no acampamento daquela igreja, no monte Sumi, província do Huambo.
A defesa alegou anteriormente que na zona dos confrontos estariam cerca de oito dezenas de adultos, crianças e bebés, tendo a polícia apresentado em tribunal mais de 80 armas, como mocas e machados, apreendidos no local, suspeitando por isso da veracidade destas provas.
A acusação deduzida pelo Ministério Público do Huambo contra os homens, com idades entre os 18 e os 54 anos, refere que as mortes dos agentes da polícia resultaram essencialmente de agressões com objectos contundentes, inclusive paus, punhais e catanas, às quais alguns polícias responderam com disparos.
Quanto às centenas de vítimas mortais causadas pelas forças de segurança… nada.
Recorde-se que a oposição (política e social) angolana denunciou na altura dos crimes a existência de centenas de mortos entre os populares, naquele acampamento, e pediu uma investigação internacional, acusações e pretensão negadas pelo Governo.
Uma história à moda do regime
Quem esperava que o julgamento permitiria, mesmo que de forma ténue, esclarecer os acontecimentos de Abril de 2015, viu esse desejo frustrado.
Recorde-se que, em comunicado de imprensa, a organização não-governamental britânica Human Rights Watch (HRW), sob o título “Houve um massacre no Huambo, Angola?” considerava que o julgamento “pode, finalmente, lançar luz sobre os eventos”.
Aquela organização de defesa dos direitos humanos salientava ser “evidente que a morte indiscutível de nove agentes da polícia requer justiça e que as autoridades devem certificar-se de que o tribunal é capaz de conduzir o julgamento de forma independente, imparcial e competente”.
A HRW defende ainda que as testemunhas do governo no julgamento “também devem ser transparentes quanto à conduta da polícia e dar resposta às acusações de que dezenas de pessoas desarmadas, incluindo mulheres e crianças, podem ter sido assassinadas a tiro”.
“O conflito eclodiu quando a polícia procurou levar Kalupeteka para interrogatório com base em alegações de incentivo à desobediência civil de cerca de 2.000 dos seus fiéis. Kalupeteka liderava uma facção dissidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia que acreditava que o mundo iria acabar em 2015 e havia encorajado os fiéis a abandonar as respectivas vidas e a retirar-se para um campo isolado”, recorda a HRW.
O governo negou que tenham morrido dezenas (muito menos centenas) de pessoas, como sustentam grupos de oposição e activistas nacionais e internacionais, mas recusou o pedido de acesso ao local dos acontecimentos feito também pelo Alto Comissariados da ONU para os Direitos Humanos “para a abertura de uma investigação independente”.
Após o incidente, as forças de segurança angolanas isolaram a área, “declarando-a zona militar”.
“Os activistas dizem que os soldados enterraram um elevado número de cadáveres em valas comuns e vários familiares de membros da seita declararam que ainda não foram capazes de enterrar os seus entes queridos. Somente duas semanas após o incidente foi concedido acesso ao local a um pequeno grupo de deputados e jornalistas, a quem foi feita uma visita orquestrada e vigiada de perto”, acrescenta a HRW no seu comunicado.
“O julgamento de Kalupeteka sublinha a necessidade de justiça, tanto para as famílias dos agentes assassinados como para as famílias dos membros da seita que morreram. O julgamento deverá apresentar as investigações internas do próprio governo sobre os acontecimentos que, de uma forma ou outra, deveriam ser tornadas públicas pelo governo”, defende a HRW.
A ONG britânica questiona, em conclusão, que se “afinal nada há a esconder, por que razão deverão os relatórios manter-se confidenciais? E por que não permite o governo uma investigação independente ao que aconteceu?”.